Desde o início da década de 80, O Bancário passou a divulgar notas de Ilson Dias criticando duramente uma oposição incipiente, nunca explicitamente identificada. Apenas uma chapa chegou inteira às eleições de 25, 26 e 27 de março de 81, mas a ideia de renovação havia levado duas dezenas de bancários a formar uma oposição que naufragou antes de poder disputar os votos da categoria.
Oito candidatos foram motivados a desistir de concorrer em função da publicação de uma nota paga no jornal O Estado de 13 de janeiro, que condenava duramente a ação política de Ilson Dias. A chapa Renovação, mutilada, foi declarada impedida de concorrer pelo delegado regional do Trabalho, Jurcy Gouvêa. O Bancário de março deu a notícia do impedimento e publicou um anúncio de meia página ensinando a categoria a votar na chapa única.
Ilson Dias: Sempre teve um bom relacionamento com os mandatários do momento, acima com Jorge Bornhausen governador
O impedimento da chapa não calou a oposição, que antes do final do ano voltaria a reagir. Foi na assembleia convocada pela diretoria do Sindicato para 22 de dezembro (três dias antes do Natal de 1981), com o objetivo de aumentar o valor da mensalidade sindical de Cr$ 250,00 para Cr$ 500,00. A oposição foi contra, mas acabou novamente derrotada.
Anos 80: Eleições com as bênçãos dos militares
A eleição seguinte ocorreu após a cassação da gratificação semestral dos empregados do Besc. Dos quadros de pessoal deste banco partiu o núcleo de uma oposição que também teve vida curta, mas com atuação mais representativa - a Oposição Sindical Bancária (OSB). O contato mais direto entre os integrantes da oposição começaria justo na assembleia de agosto de 83 que sepultou a luta pela gratificação.
Dois bancários lideraram a oposição, José Ricardo Toscan de Freitas e Carlos da Costa Soares. Queriam levar para o movimento sindical um pouco da experiência que tinham no movimento estudantil, ainda um foco de luta representativo nos tempos da abertura lenta e gradual. Da assembleia na FAC, saíram convites para reuniões da oposição no salão de festas do condomínio dos edifícios Franklin Cascaes e Eduardo Dias, na rua Vida! Ramos.
Foram se aproximando outros bancários do Besc, Banco do Brasil, Nacional, Banestado, Banerj, Mercantil do Brasil, Noroeste, Bamerindus e outros bancos privados. As moças chamavam os namorados, que convocavam amigos, que convidavam conhecidos - a OSB cresceu pouco a pouco. Do Banco do Brasil, surgiu um apoio absolutamente inesperado: o vice-presidente do Sindicato, Claodeomar Mafra, dispôs-se a pagar os boletins da oposição.
Não era a sua primeira iniciativa de solidariedade. Semanas antes, o dirigente avisara Freitas de que deveria se cuidar - capangas haviam sido contratados para espancá-lo. Dias depois, a ameaça se confirmou quando um jipe tentou atropelá-lo, na saída do trabalho, no Besc Cobrança. Freitas morava perto dali, fugiu correndo e alcançou, a salvo, seu apartamento.
Escritos numa velha Olivetti, os boletins da OSB eram característicos de uma radicalidade juvenil. O símbolo da oposição era um boneco com calça de friso e sapato furado. A primeira edição, criticando a passividade da direção do Sindicato nas negociações sobre a gratificação, foi entregue a Mafra para ser fotocopiada e voltou com um adendo: o símbolo da loja maçônica do vice-presidente, que teve de ser borrado em todos os jornais com Pilot preta. Acabou ali o patrocínio de Mafra, mas as edições do boletim continuaram.
A OSB angariou o apoio de dirigentes de outros Sindicatos que já haviam derrotado direções pelegas. Num sábado, a oposição realizou reunião com a presença de três diretores do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e de Gilmar Carneiro dos Santos, do Sindicato dos Bancários de São Paulo (anos depois, Secretário Geral da CUT). Essa proximidade permitiu à OSB trabalhar com informações atualizadas sobre a realidade da categoria em todo o país.
Em dezembro, os bancários da OSB se reuniram para discutir a composição de uma chapa para disputar as eleições previstas para o início do ano seguinte. Dos 22 cargos, dez foram ocupados por bancários da rede privada. Freitas e Carlos Soares foram indicados para os cargos principais (presidente e tesoureiro, respectivamente). Nenhum funcionário do BB participou.
Chapa montada, a OSB foi buscar apoio para acompanhar a divulgação do edital de convocação da eleição, usualmente dissimulado para evitar competição. Mas foi exatamente isso que não deu certo. O Diário Oficial do Estado de 2 de janeiro de 1984 publicou o edital estabelecendo um prazo de 20 dias para a inscrição de chapas e ninguém viu. No dia 22 de janeiro, diretores do Sindicato foram às agências para afixar cópias do edital, como ordenado pelo estatuto. As cópias foram rubricadas pelas gerências com a data de 2 de janeiro.
Com a chapa montada, a OSB se reuniu para decidir o que fazer. Abandonar tudo, agora? Recorrer a quem? Por alguma razão muito estranha, alguém sugeriu a Delegacia Regional do Trabalho. A OSB foi apelar logo para o responsável pela área sindical, Paulo Soar, a quem, por alguma razão ainda mais estranha, tinham como... comunista.
O delegado era Paulo Roberto de Miranda Gomes. Soar, que seria delegado mais tarde, no governo de José Sarney, pediu que a OSB conseguisse comprovantes de dois fatos:
1. Que a diretoria do Sindicato não havia afixado os editais como exigia o estatuto;
2. Que existissem interessados lesados em condição de, no mínimo, formar uma chapa. A OSB fez um abaixo assinado denunciando a maracutaia do edital e anexou a nominata da chapa pronta. Na mesma semana, os documentos foram entregues.
No meio do furacão, Freitas recebeu um telefonema de uma pessoa com quem nunca havia falado. Era o tesoureiro do Sindicato, Anísio Ávila Simas, que marcou uma conversa com ele para o sábado. No apartamento de Simas no Kobrasol, em frente a uma mesa redonda de fórmica azul Freitas ouviu o relato de um esquema de desvio de recursos do Sindicato pela diretoria da época e da forma como foi fraudada a impressão do edital no Diário Oficial. A pedido de Freitas, Simas relatou, de próprio punho, em seis ou sete páginas, a denúncia de fraude na eleição.
1979 - Em 30 de novembro o presidente João Figueiredo é xingado pela população durante visita a Florianópolis. O ato ficou conhecido como novembrada - Sete estudantes são presos. (Vemelho.org)
Na segunda-feira de manhã, sem sequer tirar cópia, a OSB levou o manuscrito até a DRT) onde nunca mais seria encontrado. Começava ali o processo de demolição da oposição. Soar nunca foi comunista, nem sequer social-democrata - no aspecto político, sempre ficou à direita. Na mesma semana, o apelo da OSB foi arquivado, Soar comunicou à diretoria do Sindicato que não havia oposição e Simas assinou outro documento afirmando que Freitas e Carlos o haviam coagido a redigir o manuscrito sobre a fraude.
Disputa: Boletim da OSB de abril de 1983
Todos os membros da oposição em bancos privados foram demitidos. Carlos, do Besc, foi transferido para Morro da Fumaça. Em fevereiro Freitas filho do então prefeito de Joaçaba (do PDS), recebeu do pai a proposta de ser transferido para Joinville e promovido. Recusou. Uma semana depois, recebeu um documento transferindo-o compulsoriamente para Joinville. Freitas recusou e foi demitido. Entrou com ação de reintegração contra o Besc, mas retirou-a em junho, quando foi convocado para trabalhar na CEF, para a qual fizera concurso. Assim acabou a OSB. Com a oposição fora do páreo, ainda outra chapa disputou a eleição com Renato Ghellere -eram os mesmos membros, em outros cargos.
Encabeçada por Jerônimo Borges Filho, que fora diretor da entidade nas gestões anteriores e responsável pela edição esporádica de O Bancário, a chapa derrotada - não fez sequer 10% dos votos. Jerônimo perdeu, mas ganhou anúncios nos jornais seguintes, divulgando sua banca de advocacia.
Quinze anos de curiosidades
Em 79, o Sindicato promoveu dois concursos ao mesmo tempo, que tiveram a mesma vencedora. Um premiava as melhores monografias sobre a conquista da jornada de 6h, reivindicada pelam categoria. Outro, a melhor bandeira para a entidade. A vencedora foi Elizabeth Maria Nocetti, que ganhou Cr$ 5.000,00 em cada.
Em janeiro de 81, o diretor de Patrimônio do Sindicato era Vilson Mariot, que também era nada menos que Gerente de Recursos Humanos do Banco do Estado de Santa Catarina, desde o início do ano anterior. Mariot era o caso raro de pessoa que representava, ao mesmo tempo, o patrão e o empregados.
O Bancário era um instrumento paradoxal de ação política. Em suas 48 edições, jamais divulgou a data de uma assembleia, mas poucas foram as vezes em que não cobrou explicitamente maior participação dos trabalhadores nas reuniões.
1980 - Nova greve dos metalúrgicos do ABC e de outras 15 cidades em São Paulo. Em primeiro de abril O presidente do Sindicato Luiz Inácio Lula da Silva é preso.
As gestões de Ilson Dias tinham o hábito de convocar assembleias gerais para as vésperas do Natal ou do Ano Novo, geralmente para avaliar a proposta de aplicação orçamentária. O curioso é que, pelas listas de presença, os bancários demonstravam um apreço extraordinário por participar de assembleias neste período. E pareciam fazer fila: após os nomes da diretoria, assinavam as listas primeiro os bancários do Sulbrasileiro, depois os do Bradesco da Praça XV, Besc Cobrança, Besc Praça XV e Banco do Brasil Agência Central. Não fosse tamanha organização, seria de supor que Ilson Dias tinha o hábito de coletar as assinaturas nos locais de trabalho, para assembleias ocorridas muito antes.
Ilson Dias negociando a gratificação semestral no BESC
1983 - Enchentes na primeira quinzena de julho deixam 36 mortos e 320 mil desabrigados no sul do país. Criação da CUT, em 28 de agosto
Em março de 1983, O Bancário afirmou que o Sindicato atendera, no ano anterior, "102.123 assistenciais. A base do Sindicato, que ainda abarcava boa parte dos municípios catarinenses, era de5.600 bancários, dos quais 3.209 eram sindicalizados. Para chegar ao total indicado pelo jornal, seria preciso que cada bancário (inclusive os de São Miguel d'Oeste) fosse mais de 18 vezes ao dentista, ao médico, à farmácia ou ao barbeiro. Ou, por outro exercício matemático, o Sindicato deveria fornecer 279 consultas, vendas de remédio, cortes de cabelo ou barba por dia, contando fins de semana e feriados - só para bancários.
Para poucos: Consultório odontológico
Os bancos viram dragões
O golpe de 64 foi uma resposta de uma aliança entre banqueiros e industriais brasileiros associados com capitalistas internacionais ao pequeno crescimento do populismo e da organização de forças progressistas no Brasil. O modelo econômico implantado nas décadas seguintes beneficiaria pouca gente, criando castelos de lucratividade e multiplicando barracos nas favelas. Amparados na generosidade do Estado e na oferta ampla de crédito internacional, empresários investiram na constituição de um sólido parque industrial, levaram a maquinaria para os latifúndios e organizaram a produção para o consumo de poucos. Mas ninguém ganhou mais dinheiro que o sistema financeiro.
No início da década de 90, duas centenas de bancos gozavam um faturamento engordado muitas vezes durante a ditadura. Em 1960, as instituições financeiras participavam em apenas 3% do Produto Interno Bruto do país, segundo o IBGE e a sub-seção.do Dieese do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Em 1989, a taxa havia crescido para 19,5%, para cair no ano seguinte até 11,4% - uma variação entre quatro e seis vezes maior que três décadas antes.
Esse bolo de dinheiro passou a ser repartido em fatias cada vez maiores. A partir da reforma bancária implantada pela ditadura em 1964, o sistema financeiro passou por transformações em três direções distintas, como nos conta Ary Minella no livro Banqueiros, Organização e Poder Político no Brasil. A primeira foi a centralização financeira, resultante ·da redução do número de instituições em 60, havia 368 bancos comerciais e, vinte anos depois, o numero havia caído para 111. A segunda foi a concentração do volume de recursos num número ainda menor de instituições gigantescas, que passaram a dominar o mercado. O terceiro movimento foi a internacionalização do sistema, efetivada de três maneiras: através da participação direta de bancos multinacionais no mercado brasileiro; através de associações entre capitais nacionais e estrangeiros em bancos locais; e pela expansão dos bancos brasileiros para outros mercados.
Amparados por uma inflação crescente, os bancos começaram a ganhar dinheiro como nunca e ampliaram seu arco de investimentos. Hoje, a partir do núcleo financeiro, os bancos controlam boa parte da produção industrial e agrícola do país. São donos de fábricas de eletro-eletrônicos (televisões, aparelhos de som e vídeo, geladeiras e freezers), de computadores e suprimentos para informática, de agroindústrias, de bens de capital, de latifúndios. Mandam na economia e, é claro, também na política.
Em 1988, uma reforma na legislação permitiu a criação dos "bancos múltiplos" e o ingresso, no mercado comercial, de uma série de bancos que operavam com clientes vip - uma grande indústria ou um conglomerado, como o Banco ltamaraty, do rei da soja Olacyr de Moraes. Com isto, o número de bancos pulou para cerca de 240, o que em meados da década de 90 irá provocar a ira dos banqueiros, que defendem a fusão das instituições para enfrentar uma economia sem inflação - enxugando, principalmente, o número de bancos públicos.
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